terça-feira, 6 de março de 2012

Quatro sonetos-amputados de deserto e ódio.

           I

Caminho neste deserto de abril,
arrasto meu cadáver branco-anil.

O sol torra minha cara imbecil,
há sangue seco em meu nariz quebrado
e ressentimento em meu olho vidrado.

Nas areias, vejo o enésimo cantil,
- Talvez nele haja um gênio ou um anjo alado...
Não. Tal qual meu corpo está vazio.

           II

Carrego meu peso morto nas costas...
Na duna, escorrego pela encosta.

Caímos ombro a ombro e nos encaramos,
olho a bocaberta com que falei...
já não importa ter sido poeta ou rei...

Minha pele mais parece um pano,
Acaricio a face com desengano:
não posso mais retroceder, eu sei!

           III

Resta seguir até um oásis qualquer...
E vago incrédulo, como São Tomé...

Busco água, não para matar a sede,
pois ela já me matou sem piedade,
nem se importou com minha pouca idade.

Busco água e um rio com pradaria verde,
Onde possa recordar, me vingar.
Lá, me dissolver e o contaminar.

           IV

E, assim, quando me tornar diarreia,
serei mais que da vingança uma ideia.

E matarei talvez todos teus filhos,
contaminarei plantações de milho,
nesta  minha tão impiedosa reestreia.

E, no desfecho de minha sombria ópera,
todos sentirão sem mover um cílio
a dor mais terrível de minha cólera.




4 comentários:

Unknown disse...

Puta que o pariu! Genial esse lance de soneto amputado!

Maneiraço!

Luiz Filho de Oliveira disse...

É assim q tem de se escrever: com ousadia e criatividade. Muito boa, a metalingugem de "amputados"; o neobyronismo dos sentidos, na média da mídia dos "poetas novos". Mandou bem, Lucas.

Nicast disse...

muito bom! ousado, realista, adorei!sem falar da criatividade no estilo. parabéns1

Fred Caju disse...

Pegou pesado. Sem dúvidas a melhor postagem do Periferia.