I
Caminho neste deserto de abril,
arrasto meu cadáver branco-anil.
O sol torra minha cara imbecil,
há sangue seco em meu nariz quebrado
e ressentimento em meu olho vidrado.
Nas areias, vejo o enésimo cantil,
- Talvez nele haja um gênio ou um anjo alado...
Não. Tal qual meu corpo está vazio.
II
Carrego meu peso morto nas costas...
Na duna, escorrego pela encosta.
Caímos ombro a ombro e nos encaramos,
olho a bocaberta com que falei...
já não importa ter sido poeta ou rei...
Minha pele mais parece um pano,
Acaricio a face com desengano:
não posso mais retroceder, eu sei!
III
Resta seguir até um oásis qualquer...
E vago incrédulo, como São Tomé...
Busco água, não para matar a sede,
pois ela já me matou sem piedade,
nem se importou com minha pouca idade.
Busco água e um rio com pradaria verde,
Onde possa recordar, me vingar.
Lá, me dissolver e o contaminar.
IV
E, assim, quando me tornar diarreia,
serei mais que da vingança uma ideia.
E matarei talvez todos teus filhos,
contaminarei plantações de milho,
nesta minha tão impiedosa reestreia.
E, no desfecho de minha sombria ópera,
todos sentirão sem mover um cílio
a dor mais terrível de minha cólera.
4 comentários:
Puta que o pariu! Genial esse lance de soneto amputado!
Maneiraço!
É assim q tem de se escrever: com ousadia e criatividade. Muito boa, a metalingugem de "amputados"; o neobyronismo dos sentidos, na média da mídia dos "poetas novos". Mandou bem, Lucas.
muito bom! ousado, realista, adorei!sem falar da criatividade no estilo. parabéns1
Pegou pesado. Sem dúvidas a melhor postagem do Periferia.
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